O poema Jogos Florais I e II de Antônio Carlos Ferreira de Brito (Cacaso) foi escrito nos anos 70, mas ficou conhecido em 1985. É mais uma paródia da Canção do Exílio, dessa vez usada ironicamente para criticar a ditadura militar que vigorava no Brasil. A época não possibilitava qualquer ufanismo e todos eram exilados em seu próprio país, já que não havia liberdade de expressão.
No verso inicial aparece a natureza da Canção do Exílio para imediatamente transformar o sabiá, em tico-tico, pássaro muito comum que representa o povo. É o sabiá, dono do poder, que explora o povo e come o seu fubá numa alusão ao choro Tico-tico no fubá de Zequinha de Abreu.
Na segunda estrofe, continua a criticar o governo brasileiro reprovando o “milagre econômico” utilizado como triunfo pelos militares. Para isso, parodia um texto bíblico, “a água já não vira vinho/ vira direto vinagre”. Se Jesus, que transformou água em vinho, veio para salvar os homens, os militares vieram para escravizá-los ao consumismo desenfreado que torna tudo azedo, ácido, avinagrado.
Assim como Oswald de Andrade, também substitui as palmeiras por Palmares. A referência ao Quilombo de Palmares funciona como uma forma de resistência ao regime vigente que imediatamente sofre censura: memória cala-te já. Era melhor calar, palavras e memória, e fazer de conta que não fez alusão ao movimento libertário.
Para mostrar a falta de liberdade de expressão, Cacaso procura atenuar sua ousadia apelando para uma simples rima: Belém capital Pará. A quem o poeta pede licença poética? A Drummond que no Poema de sete faces diz: “Mundo mundo vasto mundo,/ se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução". Para Cacaso além de rima é também a solução para suavizar uma “possível” subversão.
A culpa de todos esses arroubos é do álcool que liberta a palavra. Se a água não virou vinho, o vinho interfere na memória e torna a palavra mais ousada para denunciar o momento.
A ironia maior fica para o final, numa crítica aberta a Jarbas Passarinho, ex-ministro da educação. "(será mesmo com 2 esses/que se escreve paçarinho?)" é uma crítica ao ensino público e ao governo militar e seus membros.
I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
II
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(será mesmo com 2 esses
que se escreve paçarinho?)
(Antônio Carlos Ferreira de Brito - Cacaso)
Por que essa é considerada uma poesia marginal??
ResponderExcluirOi, Lucas. Só agora vi seu comentário. A Poesia Marginal foi um movimento cultural importante para uma geração que buscou através da Literatura uma atuação cultural distante dos padrões da Academia e indiferente à crítica literária. Seus pequenos textos, aliados a elementos visuais como fotografias e quadrinhos, são permeados pela coloquialidade, ironia, sarcasmo, gírias e humor.
ExcluirNa literatura, seus principais representantes foram os poetas Paulo Leminski, José Agripino de Paula, Waly Salomão, Francisco Alvim, Torquato Neto, Chacal, Cacaso e Ana Cristina Cesar.
Beijão, volte sempre!!!
o.o
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