CARTA PARA
MINHA NAMORADA
Eu decorei
suas fraquezas, acalmei seus pesadelos.
Conheço
histórias de sua infância, dores e repulsas.
Sou sua
caixa-preta, sua cópia de segurança, seu diário, seu esconderijo na parede.
Poderia
imitar sua caligrafia, poderia escrever sua biografia, listar o material
escolar da 5ª série, recordá-la da capa de bichinhos coloridos da cartilha
Alegria de Saber.
Você não
escondeu nenhuma resposta de minhas perguntas. Nenhuma gaveta para a minha
curiosidade.
Nunca se
revelou tanto para outra pessoa. Expôs quem odiava no Ensino Médio, quem amava,
quais as gafes e as covardias que experimentou na escola.
Confidenciou
aquilo que seu pai gritou e que magoou fundo, aquilo que sua mãe omitiu e feriu
fundo.
Não tem
anticorpos contra mim. Baixou as armas, depôs a mínima resistência.
Se você me
escolheu para confiar, devo ter o dobro de tato para falar contigo, o triplo de
responsabilidade. Qualquer um conta com o direito de falhar, qualquer um
desfruta da possibilidade de errar, menos eu. Sou o que realmente estudou seus
pontos fracos e o lugar de suas veias.
Perdi a
desculpa do acidente, a vantagem do lapso.
Sou o mais
perigoso, portanto tenho a obrigação de defendê-la de mim. Tudo o que ouvi a
seu respeito não posso empregar para agredi-la. Cada desabafo que me confiou
não serve para nada, a não ser para amá-la.
Não tem
finalidade doméstica, nem serventia para fofoca, é uma amnésia alegre: escuto,
sorrio e consolo.
Não ouso
soprar verdades sem sua permissão. São arquivos protegidos.
Quem ama
mergulha em hipnose regressiva, firmamos um código de quietude e cumplicidade,
de zelo e compromisso.
Intimidade é
um conteúdo perigoso, tóxico, explosivo. Há os casais que esquecem que estão
levando a valiosa carga e transformam a catarse em tortura psicológica, em
chantagem emocional, em sequestro moral.
Suas
confidências morrem comigo ou eu vou morrer nelas. Não podem retornar numa
briga. Que eu morda a língua, queime a boca, mas não use jamais seus segredos.
Aquilo que você me disse não é para ser devolvido. Todo segredo é um sino
sem pêndulo.
Não importa
o que faça ou as razões da raiva, é covardia distorcer suas lembranças.
Não posso
rifar seus problemas, nem propor leilão dos seus medos.
Minha
namorada, minha noiva, minha mulher, meu amor.
Eu prometo
cercar seu silêncio com meu silêncio.
Não nasci
para julgá-la, mas para me julgar e, assim, merecê-la.
(Fabrício
Carpinejar - Publicado no jornal Zero Hora em 12/06/2012)
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