sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Historinhas - Lembranças angelicais

Lembranças angelicais

Tenho poucas fotos de minha infância. Naquela época, fotografia era artigo de luxo, coisa cara e supérflua diante de tantas despesas para conseguir criar os filhos com dignidade. Das poucas, esta é a de que mais gosto (eu devia ter uns três ou quatro anos, visto que nem colocava as mãos postas corretamente). Acaba de sair diretamente da gaveta da infância, ao remexer na saudade, para avivar lembranças que estavam quietas em algum lugar da memória.
As caras? Sérias e etéreas como compete aos anjos diante da Mãe do Senhor.
Os vestidos eram todos do mesmo tecido. Alguns anos antes, foram um lindo vestido de casamento da mãe, que de tanta roda que tinha ainda sobrou tecido para posteriores roupas de boneca. Lembro-me de ter ficado chateada com a simplicidade do meu. O da Fátima tinha arminho nos punhos e gola, o da Lúcia era salpicado com estrelinhas de metal dourado. O meu? Era apenas um vestido de anjo, simples, sem nenhum adereço como se tivesse sido feito apenas para aproveitar a sobra do pano. E nem luvas eu tinha. Mas a asa era a minha vingança. Enquanto as outras eram brancas, feitas com penas de pato ou ganso, a minha era de penugens toda crespinha com nuances de azul. Achava a minha muito mais linda.
Os cabelos, todos curtos. Como sonhávamos em tê-los compridos, batendo lá pela cintura! Esse assunto não era nem discutido em casa. Era dada a ordem, feita a fila e todos iam rumo à Dona Consuelo, na rua da cadeia. Nem o corte podia ser escolhido. Gostasse ou não de franjinha era com ela que você sairia do salão.
Ah, o cabelo de ninho de guaxe da Fátima? Foi fruto da sua primeira permanente. Uma tentativa inútil de dar um jeitinho em fios tão lisos. Rimos muito dele, reclamamos do cheiro forte que ficou por alguns dias e irritamos bastante a vítima.
Claro que depois perdemos as caras de anjos, ficamos com o coração, a alma e os pés mais sujos de tanto andar pela vida e ter que sobreviver. Mas nada de tão grave que uma boa ação ou oração não os fizesse de novo ser como no passado.
Prestando atenção dá para ver que o meu olhar destoa um pouco dos de minhas irmãs. Talvez, por não saber fazer pose, eu estivesse imitando a santa. Mas até hoje, não entendo bem o porquê, esse olhar ficou pregado em meu rosto. Sempre tristonho e distante como se o pensamento voasse por outras paragens em busca de explicações para o inexplicável fato de existirmos.
Para além da foto, era a vida que rescendia a incenso e a futuro incerto.
Cafonice? Coisas de suburbano coração? Atire a primeira palma ou coroa quem não tiver uma foto dessas.

8 comentários:

  1. Ih... EU NÃO TENHO!!!
    Acho que em Bela Vista não tinha fotógrafo naquela época ou não tinha dinheiro pra fotografar TANTOS ANJOS (filhas).
    Mas tenho guardado na MEMÓRIA o Vestido de noiva da minha mãe (reformado pra mim) e a ASA de GARÇA (tenho até medo do IBAMA) que meu Tio João preparou com carinho. Mas fiquei o tempo todo de olho na asa da minha prima Luzia que era igual a sua. A Regina coroou SEM ASA. rsrsrsrsrs...
    Quanta SAUDADE, não é???

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  2. Rita, acho que era hábito, ou falta de recursos,transformar o vestido de noiva da mãe em anjos para as filhas. Que bom que suas lembranças são tão vivas quanto as minhas. Beijos.

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  3. Bom , eu não tenho uma foto destas , mas não vou atirar pedra nenhuma ... adoro ver fotos antigas , e achei linda a foto de tres irmãs curtindo a mesma emoção!! O texto também é muito bom... prende a atenção ,nostálgico ! Parabéns !!

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  4. Obrigada, Marizeth. Volte sempre por aqui. Adoro receber visita das pessoas da "Santa Terrinha". Abraços.

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  5. Nídia, mais uma vez nos fazendo voltar no tempo.
    Lendo um texto seu, no Empório de Notícias meu coração voltou à infância.
    Surpreendeu-me a presença da Igreja Matriz e a vida desta Igreja em minha vida.
    Encontros com a família, na praça depois da missa, a pipoca... Nunca houve pipoca mais gostosa, colorida. Ela era quadrada, um cubo!
    A Cruzada Eucarística, que delícia. Acho que foi minha primeira experiência de grupo de oração. Foi também a primeira participação no coro da igreja. Como era bom! Os ensaios na antiga casa paroquial. Nos metia medo aquela casa, imaginávamos mil assombrações e contávamos outras mil histórias macabras, tiradas de nossas imaginações sobre ela.
    Mas o ponto alto de nossas vidas era o mês de maio. Como era esperado. Não só pela festa da padroeira mas pelas coroações de Nossa Senhora. Ah! As coroações...
    Eram esperadas e preparadas como se fossem a festa do casamento. Envolvia toda a família.
    _Com quem vou coroar?
    _Quero levar a coroa.
    _Não a coroa é minha, você leva a palma.
    Depois de muita discussão e algum choro o problema era escolher quem seguraria pra você, acompanhando a procissão até o altar, a honra que lhe coube: A Palma ou a Coroa.
    Escolher essa pessoa era como escolher a madrinha do casamento. Ela seria sua melhor amiga para sempre.
    Os preparativos vinham acumulando preocupações e ansiedade:
    _Será que irá bastante gente?
    _Será que convidei todo mundo?
    _E se não for ninguém.
    Os ensaios com o Paulo sacristão, a brava dona Lourdes, as músicas... Mãezinha do céu...
    Lembrancinhas, doces, balas. Tudo era preparado com antecedência.
    E o vestido? Meu Deus, o vestido, as asas...
    Depois de muitas peregrinações à Pedralva, voltava feliz com aquele vestido lindo, me sentindo o “mais bonito anjo” da face da terra.
    O tempo passava e a Igreja ainda era o centro... Centro de nossas vidas.
    Eu não deveria ter ficado tão surpresa quando meu filho de cinco anos, me disse; depois de um puxão de orelhas por estar correndo dentro da Igreja, a célebre pergunta:
    _Onde você pensa que está, menino?
    _ Estou na casa de meu Pai... Foi a resposta.
    Agradeço a Deus todos os dias por ter tido a nossa Igreja como centro de minha infância.

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  6. Oi, Ana Lúcia. Que delícia de comentário. Uma verdadeira crônica! Obrigada por passar por aqui. Volte sempre! E um conselho: Escreva também. Ajuda a espantar os males e faz bem à alma. Abraços.

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  7. Oi Nídia, tenho tentado escrever sim. Realmente me tem feito bem. Adoro os seus "escritos" procuro por eles sempre. Eles me provocam lembranças boas, e traz de volta um pouco de mim que ficou pra trás.
    Abraços pra vc também.

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  8. Até hoje sou ENCANTADA por anjinhos.Outro dia estava em Cachoeira de Minas e tinha um "monte" deles correndo pela praça depois da coroação. Que coisinha mais linda!!!

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Adorei receber sua visita!
Ler seu comentário, é ainda melhor!!!
Responderei sempre por aqui.

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