“Neste mesmo instante estou pedindo ao Deus que me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. Sou forte mas também destrutiva. O Deus tem que vir a mim já que eu não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor. Às vezes me arranha como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha. Venha antes que seja tarde demais. Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei – assim como se come e se vive o gosto da comida. Minha voz cai no abismo de teu silêncio. Tu me lês em silêncio. Mas nesse ilimitado campo mudo desdobro as asas, livre para viver. Então aceito o pior e entro no âmago da morte e para isto estou viva. ”
(Clarice Lispector em “Água Viva”)
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