segunda-feira, 5 de março de 2012

Ninguém vive sem um pouco de poesia... - Adélia Prado

Meditação à beira de um poema


Podei a roseira no momento certo

e viajei muitos dias,
aprendendo de vez
que se deve esperar biblicamente
pela hora das coisas.
Quando abri a janela, vi-a,
como nunca a vira,
constelada,
os botões,
alguns já com rosa-pálido
espiando entre as pétalas,
joias vivas em pencas.
Minha dor nas costas,
meu desapontamento com os limites do tempo,
o grande esforço para que me entendam
pulverizaram-se
diante do recorrente milagre.
Maravilhosas faziam-se
as cíclicas, perecíveis rosas.
Ninguém me demoverá
do que de repente soube
à margem dos edifícios da razão:
a misericórdia está intacta,
vagalhões de cobiça,
punhos fechados,
altissonantes iras,
nada impede ouro de corolas
e acreditai: perfumes.
Só porque é setembro.
(Adélia Prado)

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