Arthur Bispo do Rosário (Japaratuba, Sergipe,
14 de Maio de 1909 – Rio de Janeiro, 5 de Julho de 1989)
Arthur
Bispo do Rosário viveu por meio século recluso em um hospital psiquiátrico.
Transitando entre a realidade e o delírio, acreditava estar encarregado de
uma missão divina e utilizava materiais dispensados no hospital para produzir
peças que mapeavam sua realidade. Valendo-se da palavra como elemento pulsante,
manipulou signos e brincou com a construção e desconstrução de discursos para
criar bordados, estandartes e objetos que seriam, posteriormente, consagrados
como obras referenciais da arte contemporânea brasileira.
No
refúgio de sua cela no Hospital Nacional dos Alienados, na Praia Vermelha, o
paciente psiquiátrico produziu mais de mil obras consagradas no mercado
internacional de arte contemporânea. Sem se dar conta, Bispo não só driblou os
mecanismos de poder no manicômio como utilizou sobras de materiais dispensados
no hospital para criar suas obras, inventando um mundo paralelo, feito para
Deus.
Pouco
se conhece de sua infância e adolescência. O que se sabe é que nasceu na cidade
de Jarapatuba, em Sergipe. Uns dizem que em julho de 1909. Outros, em março de
1911. A data mais aceita é 14 de maio de 1909. Aos 16 anos, foi inscrito pelo
pai na Escola de Aprendizes de Marinheiros de Sergipe e embarcou num navio como
ajudante-geral. Ficou na instituição até 1933, viajando pelo País e
colecionando advertências por comportamentos inadequados. Mas também se tornou
um bom boxeador. Foi campeão sul-americano na categoria peso-leve.
Quando
foi afastado da instituição, estava no litoral do Rio de Janeiro. Sua rotina
era perambular pela cidade, fazendo pequenos bicos. Até ser aceito como lavador
de bondes da Light. Um dia sofreu um acidente de trabalho. Ao levar o caso à
Justiça, conheceu o advogado Humberto Leone, que, sensibilizado, convidou Bispo
para morar num quartinho em sua casa. O sergipano tornou-se ajudante geral da
família. Tudo ia bem até que vozes mudaram seu destino.
Reconstruir o mundo
Era
dezembro de 1938. Bispo disse ao patrão ter visto anjos e ouvido vozes
celestiais. Saiu da casa e começou uma peregrinação por igrejas cariocas. No
mosteiro de São Bento, anunciou aos monges: “Sou um enviado de Deus,
encarregado de julgar os vivos e os mortos”. Detido pela polícia e fichado como
“negro e indigente”, foi encaminhado ao hospício da Praia Vermelha. Depois,
transferido para a Colônia Juliano Moreira, no subúrbio da cidade. O
diagnóstico: esquizofrenia paranoide.
A
instituição seria sua casa pelos próximos 50 anos. Na Juliano Moreira, Bispo
repetia a história para quem quisesse ouvir: “Vozes dizem para me trancar num
quarto e começar a reconstruir o mundo”. E assim fez.
Produzia
sem parar, mesmo sob forte medicação e choques elétricos. Os companheiros de
manicômio o ajudavam na missão, buscando entulhos e papelões que serviriam para
seu trabalho. Às vezes, ficava meses sem sair do quarto, numa jornada de 16, 18
horas por dia. Sete anos depois, a voz reapareceu: “A obra está concluída”.
O que se viu era impressionante. Centenas e centenas de obras de alto valor artístico. Colagens, tapeçarias, estandartes, pinturas, bordados. Tudo com beleza, ineditismo, múltiplos significados. Seguia uma linha convergente ao que se discutia sobre arte contemporânea mundial, mesmo sem ter nenhum contato com influências exteriores.
Cavalheiro e solitário
O que se viu era impressionante. Centenas e centenas de obras de alto valor artístico. Colagens, tapeçarias, estandartes, pinturas, bordados. Tudo com beleza, ineditismo, múltiplos significados. Seguia uma linha convergente ao que se discutia sobre arte contemporânea mundial, mesmo sem ter nenhum contato com influências exteriores.
Cavalheiro e solitário
A fama de Bispo do Rosário se alastrou pela cidade e, depois, pelo País. Houve uma comparação imediata com Marcel Duchamp, o francês que criou o conceito de que objetos do cotidiano poderiam ser levados para o campo das artes. Recebia visitas de estudiosos, artistas, curiosos.
Aos
que queriam conhecer seu ateliê improvisado, fazia uma intrigante pergunta:
“Qual é a cor do meu semblante?”. Se não gostasse da resposta, encerrava a
visita. Para quem o chamava de artista, rebatia: “Não sou artista. Sou
orientado pelas vozes para fazer desta maneira”.
Entre
as obras de maior impacto, está o Manto da Apresentação, uma veste com um
emaranhado de pequenos símbolos e figuras, como tabuleiros de xadrez, mesas de
pingue-pongue, ringues de boxe, crucifixos. Destaca-se também uma espécie de
Arca de Noé, construída com papelão e pano, destinada a salvar o mundo. Além de
uma nave que o levaria para o céu. Suas obras foram expostas em galerias de
arte da cidade. Mas Bispo não era muito favorável a que elas saíssem do ateliê.
As tratava como filhas, perguntava até se estavam bem.
Era
um homem sério, de poucas palavras. Um cavalheiro com as mulheres. Gostava de
andar limpo e ficava semanas sem se alimentar. Sentia-se um enviado de Deus,
uma espécie de Cristo. Gostava de concurso de misses e quase nunca era
violento. Mas sempre solitário.
“Os
doentes mentais são como beija-flores: nunca pousam, ficam sempre a dois metros
do chão”, costumava dizer. Em 5 de junho de 1989, se sentiu mal e foi atendido
no setor médico. Estava muito magro pelos jejuns. Morreria horas depois, vítima
de enfarto, aos 80 anos.
“Ele
morreu na solidão de sua cela, sem ver seu império classificado como obra de
arte, percorrendo o mundo”, diz a escritora Luciana Hidalgo, autora
de Arthur Bispo do Rosário – O senhor do labirinto (Rocco, 1997).
“Mas, aos olhos da crítica e do público, já era um artista.” Após várias exposições
pelo País, a obra de Bispo representou o Brasil na prestigiada Bienal de
Veneza, na Itália, em 1995. Hoje a Colônia Juliano Moreira não funciona mais
como manicômio. O espaço abriga o Museu Bispo do Rosário de Arte
Contemporânea.
(Fonte: http://www.almanaquebrasil.com.br)
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