MG: presos
reformam prédios públicos para indenizar vítimas
Presos por tráfico de drogas, roubos ou furtos na cidade de Santa Rita do
Sapucaí, na região sul de Minas Gerais, têm tido a oportunidade de trabalhar
para indenizar as vítimas, o Estado e para ter parte da pena diminuída. Para
isso, executam serviços de reforma dos prédios públicos do município. A
iniciativa é do juiz José Henrique Mallmann, que, desde que assumiu a comarca,
em setembro de 2011, buscava uma forma de reduzir a superlotação na cadeia
local, atualmente com mais de 130 detentos, o dobro da capacidade.
O projeto
Restituir, Restaurar e Reciclar, segundo Mallmann, pretende restituir o dano à
vítima, restaurar o patrimônio público e reciclar o preso. "A ideia foi de
buscar uma alternativa, porque a gente sabe que o sistema penitenciário está
falido, não funciona, não recupera. As prisões hoje estão se tornando um foco
de criminalidade, ao invés de ser um lugar para recuperar as pessoas. Não dar
para fazer mais do mesmo", explicou Mallmann.
Para o juiz,
é uma oportunidade de os presos, na maioria pobres, repararem o dano feito
contra as vítimas "E o que o preso ganha? O preso ganha redução da pena,
ganha dignidade, ganha oportunidade de até às vezes aprender uma profissão, já
que alguns não sabem fazer nada há não ser roubar e praticar o mal",
afirmou.
Atualmente
15 presos trabalham diariamente na reforma da delegacia de Santa Rita e em
outros prédios públicos. Todos ganham um salário mínimo, que é pago por
empresários da cidade, conhecida como Vale da Eletrônica devido à dezenas de
empresas que utilizam tecnologia de ponta.
Metade do
salário é repassada às famílias dos presos. A outra metade é utilizada para
devolver os valores que foram roubados das vítimas. "São 30 dias de
trabalho e se o preso faltar é descontado o dia. Teve caso que o prejuízo, por
exemplo, foi de R$ 100 para vítima. Metade do salário mínimo é R$ 311. O valor
que sobrou, R$ 211, a gente está criando um fundo para encontrar outras vítimas
de outros processos para ressarcimos. Nos casos dos crimes de tráfico, que a
vítima é a sociedade, metade do salário é destinado para uma fazendinha que
cuida de pessoas com problemas de dependência. Já que ele (traficante) fabricou
o dependente, agora ele vai pagar o tratamento", detalhou.
Os detentos
não são obrigados a trabalhar. Aqueles que aceitam têm que manifestar aptidão
para alguma função e bom comportamento carcerário. O magistrado explica que em
muitos casos, o ressarcimento à vítima ultrapassou o marco da devolução simples
do que foi roubado. Algumas pessoas chegaram a se tornar amigas dos algozes.
"A
gente fica com uma extrema alegria de ver as pessoas se reconciliar. Teve um
velhinho, senhor de idade, que foi comprar um fogão com o dinheiro que recebeu
porque o dele estava muito velho. Ele falou: 'eu quero que ele vá com Deus e eu
também'. Ou seja, você reequilibrar o que está desequilibrado é o meu conceito
de justiça. Que a pessoa realmente pague pelo erro dela, mas que ela possa
também reerguer o queixo e dizer 'felizmente eu pude reparar o que eu
fiz'".
O magistrado
acredita que seu projeto diminuirá a reincidência na região. "Esse projeto
ainda não dá para aferir, mas com o tempo acredito que nós vamos ter um índice
de ressocialização bem maior que hoje. O Brasil chega perto de 85% de
reincidência, altíssimo, ou seja, uma fábrica de criminosos", concluiu.
Perdão
Uma das
vítimas que a Justiça de Santa Rita do Sapucaí procurou para que fosse
indenizada é o técnico em eletrônica Anderson Alves. Ele teve a moto que usava
para trabalhar furtada, o que representou um prejuízo de R$ 1,5 mil.
"Realmente é uma coisa inédita, não esperava isso. Achei bem bacana esse
projeto, já que dá à vitima o que lhe é de direito, o que foi retirado. E
também a chance do preso se redimir perante a sociedade", avaliou Alves.
O técnico em
eletrônica revelou que, depois das audiências, passou a ter uma amizade com o
suspeito. "A gente conversou bastante e ele pediu perdão. Ele mostrou que
estava arrependido e que queria mudar. Hoje a gente passa na rua se cumprimenta,
ficou um clima bacana. Valeu a pena", disse.
Excesso de
processos e de presos
O juiz ainda
procura por mais alternativas para desafogar a comarca que trabalha. O
magistrado revelou que atualmente responde pela 1ª Vara de Execução Penal, pela
Vara da Infância e Juventude e pela direção do Fórum: "Estou com muitos
processos. Se for somar tudo passa de 14 ou 15 mil. É um juiz apenas para
cuidar da cidade de Santa Rita, que tem cerca de 38 mil habitantes, e do
município vizinho de São Sebastião, que tem perto de 10 mil pessoas. Um juiz
para cobrir tudo isso", apontou.
Por isso, o
magistrado revelou que já colocou em prática uma alteração para acelerar o
andamento dos processos na comarca, à exceção dos crimes de homicídio cujos
julgamentos passam pelo Tribunal do Júri. "Assim que recebo o processo eu
já estou ouvindo o réu e marcando as audiências e o dia que ele vai ser
julgado. Ele já sai intimado para estar aqui no Fórum no dia do julgamento.
Isso realmente é um pouco corajoso pelo acúmulo de serviço", explicou.
Para cumprir
os prazos, duas datas são reservadas para as audiências de cada processo.
"Minha meta é julgar todas as pessoas em 90 dias. Porque hoje têm pessoas
que ficam até mais de ano presas e pode ser que elas sejam absolvidas. Imagina você
deixar uma pessoa presa um ano injustamente".
(Fonte: Ney
Rubens – Portal Terra em 09/09/2012)
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