quinta-feira, 20 de maio de 2010

Historinhas - A festa

A festa

(Continuação da historinha O Primeiro Vestido MEU já postada anteriormente).
O vestido tão amado foi tirado do armário e colocado cuidadosamente esticado sobre a cama. Mais uma vez foi admirado. Estava chegando a hora há tanto tempo esperada.
Agora, um banho bem caprichado com bucha, não esquecendo de lavar bem as orelhas, de tirar a terra de debaixo das unhas das mãos e de deixar os pés brilhando foram as recomendações de minha mãe (não entendi bem o porquê de ter que caprichar nos pés, se eu iria de meias brancas e sapatos de verniz preto, mas mãe a gente obedece mesmo sem entender). Nos cabelos, iria fazer uma faxina bem primorosa pensava com meus botões. Havia vendido umas garrafas vazias e comprado na Farmácia do Seu Astolfo um travesseirinho de xampu Halo, de ovo. Para quem não é dessa época ou não se lembra, xampu era um artigo de luxo. Na farmácia, vendiam-se uns saquinhos quadrados de três centímetros recheados de xampu. Eles ficavam expostos em um vidro grande sobre o balcão e eram cobiçados pelas meninas sem muitos recursos (mas felizes) como eu. Quando conseguíamos adquirir um, costumávamos fazer um furinho bem pequeno em um dos cantos para economizar e fazer o mesmo render várias lavagens. Terminado o banho, cheirei minha pele. O perfume era do próprio sabonete, já que não tinha nenhuma colônia. Mas, o importante era que cheirava muito bom. Escovei os dentes, me calcei e coloquei o vestido (foi feito nessa ordem, por causa do medo de derrubar pasta de dente ou amassar o dito cujo), penteei os cabelos molhados e fiquei pronta. Me olhei no espelho grande do guarda-roupa de minha mãe e sorri em sinal de aprovação. Havia me enfeitado toda e me achei tão linda como nunca me tinha visto.
E lá fomos nós para a festa. Os cinco alegres descendo o morro da Vista Alegre: papai, mamãe, minhas duas irmãs mais velhas e eu, todos em trajes de gala.
A casa de minha bisavó, normalmente um tanto sombria, estava toda iluminada. As portas e janelas, sempre fechadas, estavam escancaradas e me deram uma gostosa sensação de amplidão. Eu parecia estar entrando em um castelo para o baile real. Achei a casa muito maior do que ela realmente era (devia ser meu olhar de criança – sempre exagerado – porque hoje, quando entro lá, não vejo a casa tão grande). Até os postes que havia no jardim estavam acesos, coisa que nos meus sete anos de vida ainda não tinha visto. Muita gente chegando, pessoas que eu nem sabia que eram meus parentes.
Muita alegria, até que vi meu avô chegando. Ele vinha sentado numa cadeira de ferro, dessas de varanda da casa de avó, erguida por vários homens. E eu vi sua mãe chorar. E eu tomei consciência de que o mundo de meu avô tinha o tamanho da distância do seu quarto até o alpendre de sua casa. A minha cabecinha oca e despreocupada até então não sabia que ele não conseguia andar grandes distâncias, devido a um derrame sofrido algum tempo antes. Eu o via sempre de pijama listrado, sentado na varanda de sua casa ou indo para o quarto apoiado em uma bengala que tinha um cabo lindo, prateado com uns desenhos em alto relevo, mas não via nada de diferente naquele velhinho tão doce.
E eu me lembrei do Doutor Ogênio. Era assim que nós, crianças, o chamávamos. Ele era um homem moreno, forte, de sorriso largo, vestido com roupas brancas que eu via sempre na casa de meu avô. Na verdade era um enfermeiro prático, chamado Eugênio (acho que da família Grillo), que ia às casas para trocar curativos e aplicar injeções em doentes. Ele tinha uma maleta preta, usava branco e aplicava injeções, só podia ser médico – portanto doutor. Quando ele chegava, já estava tudo preparado. A mesa da copa já tinha sido desinfetada e em um dos cantos havia uma garrafa de álcool, uma caixa de remédio e outra de fósforo. Ele então tirava da maleta umas caixas metálicas e uma seringa de vidro enorme. Colocava álcool dentro da caixa com a seringa e riscava um palito. Subia um fogo alto que ia, aos poucos, diminuindo até que as chamas coloridas de azul e laranja desapareciam por completo. Depois ele ia para o quarto e eu ficava com os ouvidos atentos para tentar escutar o choro de meu avô. Achava que ele devia chorar bem baixinho, porque eu nunca ouvia nada. Quando o “doutor” colocava os apetrechos novamente na maleta e ia embora, eu corria até o quarto para dar um abraço no vovô.
Foi isso tudo que passou pela minha cabeça na festa de aniversário de minha bisavó. E eu passei achar os olhos claros de meu avô muito tristes e até sua gargalhada escandalosa, diante de alguma peraltice minha, passou a ter outro som. Quando, quase dois anos depois, meu pai me acordou para contar que ele tinha falecido, eu fiquei aliviada. Ele não precisaria mais tomar injeções e poderia até voar, se quisesse. Triste mesmo, eu tinha ficado no dia em que, para mim, sua alegria havia morrido.

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