“As cicatrizes não são provas de quanto se sofreu nesta vida, relógios de bolso a clamar piedosa pontualidade: "quando aconteceu isso?"
Ao contrário, vejo na cicatriz a marca de que me sarei. De como a pele milagrosamente se regenera e me protege. Ela não atesta meu sofrimento, indica que posso me recuperar com a facilidade que sangrei.
Dores velhas contam maldades pelas costas. Não dê ouvido. Dores novas gostam de insinuações. Não dê corda. A dor não tem pescoço e vai pedir o seu.
Abro uma confidência: de tanto mexer nas minhas feridas, elas só infeccionaram.
Não faço mais turismo em minhas dores. Nem convido outros a sofrer de novo comigo, como se fosse uma espécie de justiça o outro penar o mesmo que eu.
Tristeza guardada não cheira bem, raiz rançosa, como roupa guardada, como comida guardada, como amor guardado. Não me peça para chorar duas vezes. Em mim, há mais boca para nadar do que olhos.
É virada do ano.” (Fabrício Carpinejar em “A fruteira que fica no fim do ano”)
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