Som na caixa!
A tarde cai com maestria e brilha.
Tenho vontade de cantar a ponto de estourar!
Meus erros se dissolvem, os problemas se constrangem
diante do belo fogo amarelo pintando a barra do dia.
Deslumbrante modo este do sol se pôr.
Quem pode com a beleza da vida, meu pai?
Quem pode duvidar do milagre da transitoriedade?
Tudo isso, as flores, esta brisa, os bilhetes de amor,
os lençóis marcados de beijos , os rouxinóis e eu , tudo passará!
Menos essa vida que pulsa e é sempre outra
e que se põe em presença de todos os viventes a cada tempo.
Que se mostra nua, crua, bela , poderosa, senhora flutuante entre os ventos.
Desço a rua ladeira onde teço meus dias,
onde vive minha casa branca,
porto seguro de minha alma com olhos acostumados a reparar.
Acabada de se banhar, a mesma alma, cheirando à colônia dama da tarde,
quase dança dentro do vestido florido de mulher e de menina.
Azul o céu para onde vou e é azul também o que deixo atrás das colinas.
Todos os óbvios são mistérios: da sensação de batismo que dá um cabelo molhado e limpo roçando a nuca da gente, até os comoventes coloridos celofanes que envolvem os docinhos confeitados das festas de criança.
Tudo é enigmaticamente simples. Todo presente vira logo lembrança.
O parentesco entre as coisas é tão natural que parece que todo mundo entende o motivo pelo qual as pipas são primas das bandeirinhas de São João .
É um prazer saber. Nem sei se eu sei não.
Mas me excita viver!
Izidoro pintando a varanda, faz cheiro de Natal vir das paredes.
Varanda, ô palavra ensolarada!
Todo ano meu pai pintava nossa casa em dezembro.
Eu sigo a tradição só pra sentir a bagunça gostosa que a memória olfativa das
cores apronta em meu coração.
Não trago novidades.
Sou apenas vítima da claridade de uma estação.
Minha voz quer sair do peito para se juntar ao grande coro e com razão:
Louvando a intensidade de cada instante
as cigarras sempre cantam no verão.
(Elisa Lucinda)
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