Hoje a poesia é em forma de prosa numa linda crônica.
Encântico
"Estou
de partida. Breve, me mudarei para a curva do teu braço.
Busco a
terra sem vento, a mansa terra do teu peito. E a batida surda e quente do magma
mais profundo, para embalar o meu sono. Busco a tranquilidade da enseada. Já
conheci as águas que é preciso saber. Fui bem além das colunas de Hércules e há
muito descobri que por mais longe o mar, jamais despenca. Sereia, lancei meu
canto por entre espumas, encantei marinheiros. E eu própria naveguei, seguindo
as estrelas do céu, contando as estrelas do mar, até chegar a portos dos quais
nem suspeitava a existência.
Agora é tempo de lançar as tranças na água e deixar que se enlacem nos
rochedos, ancorando-me ao meu destino. Escolho o teu lado esquerdo, onde me
beija o sol poente. E espero que a tua mão direita amaine as minhas selas.
Assim, acima do teu coração, encosto a cabeça. E pequena como um grão, deito
raízes. Aprenderei a conhecer-te através da planta dos meus pés, como o cego
sabe onde pisa, como o índio conhece a trilha? Se for mansa, a maré das
colinas, terei certeza de que dormes, ou pensas em silêncio. Se, de repente,
meu solo se encrespar, tangido por um vento só teu, será o frio que te toca. O
medo, saberei no tremor subterrâneo. E quando o suor correr farto, enchendo
rios sem peixes, ameaçando me levar, será tempo de calor, será o verão cantando
na tua pele.
Aprenderei a tatear-te com as mãos, a procurar meus caminhos nos valões dos músculos. Fluirei devagar, dormirei nas axilas. Não preciso de casa. Não preciso de abrigo. A terra da tua carne é quente e nada me ameaça. Posso deitar-me nua, dormir tranquila, ou ficar acordada, olhando para o alto. O céu é calmo, as nuvens passam, indo a outros lugares. Nenhuma traz a chuva, ou a tempestade. Não preciso de pente, não preciso de panos. O orvalho da tua pele me banha de manhã e a tua respiração arruma os meus cabelos. Só quero um cavalo. Galoparei com ele as dunas do teu corpo, descerei pelos braços, avançarei pelas mãos, arriscando-me à queda nos penhascos dos dedos. Explorarei o teu ventre, matarei a minha sede no poço do teu umbigo. E, armada de desejo, penetrarei na selva dos teus pelos, emaranhada e perfumada noite, delta dos sumos, labirinto que imperioso, me chama e suave, me perde. Só depois, percorridas as pernas, visitados os pés, voltarei corpo acima, ventre, peito, subindo em peregrinação até o pescoço, repousando no vale da omoplata.
Aprenderei a tatear-te com as mãos, a procurar meus caminhos nos valões dos músculos. Fluirei devagar, dormirei nas axilas. Não preciso de casa. Não preciso de abrigo. A terra da tua carne é quente e nada me ameaça. Posso deitar-me nua, dormir tranquila, ou ficar acordada, olhando para o alto. O céu é calmo, as nuvens passam, indo a outros lugares. Nenhuma traz a chuva, ou a tempestade. Não preciso de pente, não preciso de panos. O orvalho da tua pele me banha de manhã e a tua respiração arruma os meus cabelos. Só quero um cavalo. Galoparei com ele as dunas do teu corpo, descerei pelos braços, avançarei pelas mãos, arriscando-me à queda nos penhascos dos dedos. Explorarei o teu ventre, matarei a minha sede no poço do teu umbigo. E, armada de desejo, penetrarei na selva dos teus pelos, emaranhada e perfumada noite, delta dos sumos, labirinto que imperioso, me chama e suave, me perde. Só depois, percorridas as pernas, visitados os pés, voltarei corpo acima, ventre, peito, subindo em peregrinação até o pescoço, repousando no vale da omoplata.
Talvez leve
um cantil para a dura escalada do teu queixo. Subirei com cuidado, usando como
apoio os fios de barba, procurando a caverna das orelhas para repouso e abrigo.
Barulho não farei, prometo. Nada que te perturbe. Talvez no dia seguinte, ou
mais ainda, passando-se outro dia na difícil subida, eu procure chegar até teus
olhos. Se estiverem fechados, sentarei com paciência, esperando o milagre da
íris descoberta nascer do olho que se renova a cada despertar, astro de luz,
surgindo sob o horizonte da pálpebra. Se estiverem abertos, sentarei à beira
deste lago, fonte, olho d'água, encantada com a dança dos reflexos, ilusórios
peixes, deslizando suas sombras sob um fundo sem algas. E haverá um momento em
que, vencendo o medo, mergulharei na transparência, para nadar em direção ao
redemoinho negro da pupila. A aresta do nariz é perigosa. Eu bem conheço a
sua linha sinuosa, sua falsa maciez sobre o duro arcabouço. Não convém que a
acompanhe. Seguirei pelo lado, encostando-me às arestas, esgueirando-me para
não ser tragada. Não tentarei desvendar o mistério do sopro. À boca, chegarei
com respeito. Virei pelo canto, descendo ao lábio inferior, o mais carnudo.
Avançarei deitada, rastejando-me de leve na pele úmida, até chegar à borda. E
me debruçarei sobre as palavras. Breve me mudo para a curva do teu braço. Não
saberei mais de você do que já sei. Nem você saberá mais de mim. Mas talvez
assim perto, encostada na raiz do teu ser, eu possa me esquecer de onde começo
e me esquecer em ti na minha entrega."
(Marina Colasanti)
Que bela escolha , Nidia .
ResponderExcluirAdorei o texto com as perfeitas metáforas da Marina .
Obrigada pela partilha .
Bom final de semana.
Beijos
É mesmo um texto muito lindo, Marisa. Marina tem uma sensibilidade que me encanta.
ExcluirBom final de semana para você também.
Beijos.
Nidia , venho lhe contar que fui premiada hoje por uma poeta com um selo/prêmio.
ResponderExcluirConforme o criador do mesmo, devemos indicar blogs que gostamos para serem presenteados .
Escolhi o seu , amiga .
Passe por lá para pegá-lo .
Beijos
Obrigada, Marisa.
ExcluirJá vou pegá-lo.
Beijos