sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Assassinato duplo

Tita, minha madrinha e tia-avó, não era uma costureira: era modista. Do corte ao chuleado, tudo era perfeito. Para fazer a bainha, ela criou uma régua com furinhos eqüidistantes por onde passava a agulha e o pé-de-galinha virava um verdadeiro bordado. Costurava sedas e rendas para as pessoas mais elegantes da cidade.
Como eu não saía da casa da minha bisavó, fui designada a entregadora oficial das costuras. Os vestidos eram passados e delicadamente dobrados. Depois eram envoltos em toalhas brancas de linho engomado com as pontas presas por alfinetes de costura. Não podiam ser amassados. E eu ficava com os braços adormecidos, quando tinha que atravessar a cidade para entregar as encomendas.
Eu brincava sempre no quarto de costura, folheando umas revistas lindíssimas chamadas Burda, tudo escrito em alemão. Não entendia nada, mas as roupas e as manequins eram lindas: loiras, olhos azuis e sorrisos perfeitos. Eu sempre perguntava:
_Tita, de quem é esse vestido?
E adorava quando ela respondia:
_Da Reneda Bageta.
Eu achava esse nome lindo, diferente e pensava que quando tivesse uma filha iria chamá-la RENADA BAGETA. Para mim, parecia nome de princesa de outras terras, não sabia bem de onde.
Um dia, estava tudo preparado para fazer uma entrega e eu perguntei:
-É para a Reneda?
-Que Reneda?
-Reneda Bageta, que mora lá perto da Escola Normal.
Minha madrinha quase morreu de rir e me explicou:
_ O nome da mulher é Renê e ela é filha da dona Bageta (na verdade é Baget).
Que decepção! Minha madrinha, numa só frase matou duas pessoas: minha princesa estrangeira e minha filha que ainda nem tinha nascido.

5 comentários:

  1. Oi Nidia,parabéns pelo Blog,muito interessante.
    E confesso que também tive o mesmo problema com "Renada Bageta"...rsrs

    Abraços

    Giácomo Costanti

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  2. Nidia, seus textos são deliciosos. Esta história da "Reneda" é impagável e pescou uma dúvida antiga em minha cabeça: por que o apelido da dona Lois Rezek Nassar é Renê? Você e o Giácomo, pouco mais velhos do que eu, talvez saibam. Apesar da interrogação, não há dúvidas de que ela é uma mulher admirável. Outra certeza: você deve continuar a nos presentear com seus excelentes textos.

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  3. O nome da dona Renê é Lois? Agora que bagunçou mais ainda a minha cabeça.

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  4. que texto delicioso !
    como eu gostaria de ter vivido com essas pessoas ,logo que casei ,há 32 atrás ,comecei a fazer um curso de alta-costura e levava maior jeito ,mas infelizmente minha professora morreu em um acidente e não dei prosseguimento ao curso.Aproveitando a ideia do Jonas seus textos realmente são um presente,GRATA!

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  5. Obrigada Mica pelos elogios. Apareça sempre por aqui. É um prazer ler seus comentários. Por que você não volta a costurar já que levava jeito pra a coisa. É uma arte que requer uma paciência japonesa. Invista nisto! Abraços.

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