Só sei que nada sei, mas posso formar uma opinião sobre qualquer coisa
Há alguns dias, a polêmica sobre o livro didático Por Uma Vida Melhor vem ganhando espaço na mídia. O livro em questão faz parte da coleção Viver, Aprender e foi distribuído para 4.236 escolas e destinado para alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Li vários textos a respeito do assunto antes de me posicionar. Claro que aceito opiniões diferentes da minha. Como diz meu pai: toda história tem o lado A e o lado B.
É claro que falo diferentemente do que escrevo. Existe e existirá sempre a oralidade com seus regionalismos, vícios de linguagem, etc.
Para mim o grande problema está na afirmação: “Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar 'os livro'?”Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.”
Sejamos práticos a despeito de todas as teorias dos linguístas e acima de toda polêmica.
Caso 1: Quando perguntei para a minha ajudante:
-Você que passar a roupa na mesa ou na tábua?
A resposta foi:
- Pode ser na mesa ou na talba, não faço questã.
Entendi o que ela queria dizer? Claro que sim. Ela pode falar assim? Claro que não. Tinha uma filha aprendendo a falar e queria que a criança aprendesse a se comunicar de forma clara e correta. Talba é uma palavra pitoresca na música do Adoniran Barbosa que aproveitava o linguajar paulistano e criava personagens que se valiam dessa oralidade em suas músicas. Eu não queria minha filha falando talba, questã ou que manga causa nódi na roupa. Fiz um combinado com ela. Não a corrijo, apenas tento lhe ensinar o pouco que sei e que também aprendi com alguém. Geralmente fazendo uso do dicionário mostro que determinada palavra não existe e apresento também a forma correta e seu significado. Ela nunca ficou aborrecida e hoje consegue se expressar muito melhor.
Pode alguém achar que há uma grande diferença entre o uso de palavras erradas e a utilização de concordância inadequada como “os livros”. Penso que em ambos os casos, há comunicação, mas que ela pode ser melhor se utilizarmos palavras e concordâncias de forma correta. Haverá, sem dúvida, uma maior clareza da informação.
Caso 2: Há algum tempo, ficou hospedada em minha casa uma jovem que dizia:
- Quando nóis vai na casa da minha tia, nóis pega dois ônibus.
Depois de várias concordâncias desse tipo, fiz o seguinte comentário:
-Você tem que se expressar melhor, tentar falar mais corretamente.
Recebi como resposta um estalar de língua, um ahhhhh e um sacudir de ombros.
Hoje, ela está procurando seu primeiro emprego. É bonita, tem dentes e corpo perfeitos, timbre de voz suave e ensino médio completo. Fez curso técnico de secretariado e básico de computação, mas continua falando “nóis vai”. Já foi direcionada para escritórios, consultórios, comércios variados e até serviço de telemarketing. Não consegue passar na entrevista. Por quê?
Posso apenas sacudir os ombros e achar que falar de forma incorreta é apenas inadequado?
Nas minhas leituras encontrei um texto do professor do Departamento de Linguística da Universidade Federal de Brasília, Marcos Bagno bastante interessante. Ele é anterior a toda essa polêmica, mas expressa (com algumas ressalvas) o que penso sobre o assunto. (Veja o texto completo aqui.)
Nas considerações finais do referido texto está escrito:
“Ora, não podemos perder de vista a “dupla personalidade” daquilo que tradicionalmente se chama de “erro”. O erro é uma moeda, e como toda moeda, ele tem duas faces: uma face lingüística e uma face sociocultural. Como já disse, do ponto de vista estritamente lingüístico não existe erro na língua, uma vez que é possível explicar cientificamente toda e qualquer construção lingüística divergente daquela que a norma-padrão tradicional cobra do falante. Mas, do ponto de vista sociocultural, o erro existe, sim, e não podemos fingir que não sabemos do peso que ele tem na vida diária dos falantes. É na face sociocultural dessa moeda que está impresso o valor que se atribui ao suposto “erro”.
Uma das tarefas de um ensino de língua mais esclarecido seria, então, discutir os valores sociais atribuídos a cada variante lingüística, enfatizando a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção lingüística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa.”
Penso que em um livro didático, que deveria ensinar não deveria estar:
“Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar 'os livro'?”Claro que pode.”
Ao afirmar que: “O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.” Penso que é uma consideração, no mínimo, utópica. Como uma pessoa vai falar, em seu meio social, “nóis vai” e numa entrevista de emprego “nós vamos”. Se o indivíduo tem dificuldade em se expressar em sua própria língua, vai ter discernimento para utilizar duas formas diferenciadas, dependendo da ocasião? Alguém acredita nisso?
A autora não foi convincente ao defender a supremacia da linguagem oral sobre a linguagem escrita. Continuo pensando que a frase "nós pega o peixe" não pode ser considerada correta em nenhum contexto.
Ao aceitar apenas como ”inadequadas” as formas não corretas de expressão estaremos adiando a busca de ascensão social de milhares de pessoas que procuram a escola, mesmo tardiamente, em busca de um futuro mais promissor.
E mais, parece que a grande polêmica está no que é “erro”. Que medo as pessoas tem em dizer: “Isso está errado”. Toda sociedade tem normas, “erros” e “acertos”. É a correção do erro que nos leva ao acerto.
Blog: Qualquer oferta de emprego, no MEC, como secretária dos autores do livro didático ou da ONG Ação Educativa ou mesmo na redação da Carta Capital pode ser enviada para o e-mail desse blog que será, imediatamente, entregue à menina do caso 2.
Acho que é preciso SABER o correto pra poder "falar errado", não é???
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