As imagens de saques em meio às ruínas de Porto Príncipe rodaram o mundo e se destacaram em meio ao choro e à desolação dos haitianos em ruas, praças e tendas improvisadas. No cenário de destruição, a insegurança em relação à própria sobrevivência passa a ditar as ações das vítimas do terremoto que devastou o Haiti na terça-feira (12).
Para os haitianos, a incerteza quanto ao futuro diz respeito não ao próximo ano ou década, mas à próxima hora. Onde não há quase nada, a civilidade desaparece. "Vemos o desespero ali. Existe uma perda de controle por parte das pessoas", diz Leila Tardivo, livre-docente do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). "Muito da própria civilidade se perde. Há um desespero mais que animalesco na briga por comida."
Para os haitianos, a incerteza quanto ao futuro diz respeito não ao próximo ano ou década, mas à próxima hora. Onde não há quase nada, a civilidade desaparece. "Vemos o desespero ali. Existe uma perda de controle por parte das pessoas", diz Leila Tardivo, livre-docente do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). "Muito da própria civilidade se perde. Há um desespero mais que animalesco na briga por comida."
Para a psicóloga, o mundo está diante de um vórtice de estresse incomensurável. "É quase uma horda primitiva, e digo sem qualquer preconceito. É a perda da civilidade, da evolução como homem, provocada por uma situação extremada que não podemos julgar --não nos é dado esse direito. Qualquer um de nós poderia fazer aquilo."
Diferentemente do que as imagens divulgadas na TV e na internet podem sugerir, o ato de saquear comida pode ser a face de um contexto emocional que não tem relação com o egoísmo, ressalta Eliana Torga, coordenadora da comissão de emergências e desastres do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais. "As pessoas que saquearam podem ter tido um ato altruísta, no sentido de dar aquele alimento para o filho ou para a mãe. É uma situação muito além dos limites dele", considera. "Aquela realidade mexe tão profundamente com questões básicas do ser humano que eles perdem os controles sociais que todos temos, de moralidade."
Angela Coelho, colaboradora do Conselho Federal de Psicologia, esteve no Peru em 2007 para prestar auxílio às vítimas do terremoto em Pisco. Para ela, sentimentos e ações de toda espécie são esperadas após um desastre. "Não ter nenhuma reação seria estranho", diz a psicóloga, que estuda o tema há quase 20 anos.
Hoje, o Haiti é um terreno mais que favorável ao estresse pós-traumático, numa equação cujos fatores são muito mais antigos que os tremores de magnitude 7,0. "O desenvolvimento do quadro de estresse está ligado a comprometimentos anteriores ao evento. As pessoas já eram vítimas de problemas antes do desastre", diz Ângela. Se antes do terremoto os sentimentos de insegurança e desordem estavam sempre presentes, agora eles são gritantes.
Diferentemente do que as imagens divulgadas na TV e na internet podem sugerir, o ato de saquear comida pode ser a face de um contexto emocional que não tem relação com o egoísmo, ressalta Eliana Torga, coordenadora da comissão de emergências e desastres do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais. "As pessoas que saquearam podem ter tido um ato altruísta, no sentido de dar aquele alimento para o filho ou para a mãe. É uma situação muito além dos limites dele", considera. "Aquela realidade mexe tão profundamente com questões básicas do ser humano que eles perdem os controles sociais que todos temos, de moralidade."
Angela Coelho, colaboradora do Conselho Federal de Psicologia, esteve no Peru em 2007 para prestar auxílio às vítimas do terremoto em Pisco. Para ela, sentimentos e ações de toda espécie são esperadas após um desastre. "Não ter nenhuma reação seria estranho", diz a psicóloga, que estuda o tema há quase 20 anos.
Hoje, o Haiti é um terreno mais que favorável ao estresse pós-traumático, numa equação cujos fatores são muito mais antigos que os tremores de magnitude 7,0. "O desenvolvimento do quadro de estresse está ligado a comprometimentos anteriores ao evento. As pessoas já eram vítimas de problemas antes do desastre", diz Ângela. Se antes do terremoto os sentimentos de insegurança e desordem estavam sempre presentes, agora eles são gritantes.
(Mary Persia - Folha de São Paulo em 16/01/2010)
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