Mineiro desvenda origem de sua terra ao garimpar registros de cartório
Autodidata, escrivão de Paulistas, no Vale do Rio Doce, usa documentos de cartório para ajudar a resgatar a origem do município, formado com as primeiras bandeiras do século XVI.
(Foto Antônio Zandona)
Rodeada de montanhas, “nascente” do Suaçuí Grande, que ali se forma pela junção de três rios, o Cocais, o Turvo e o Rio Vermelho, na bucólica Paulistas, no Vale do Rio Doce, a 307 quilômetros de Belo Horizonte, nasceu e vive o historiador Raimundo Zeferino de Carvalho, o Tim. Titular do Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Notas da cidade, assumido por ele em 1977, depois de ter estudado em Guanhães (secundário) e Pouso Alegre, num seminário, de 1966 a 1971, e outros tantos trabalhando em Belo Horizonte, onde chegou a ser gerente de uma empresa, Tim é o que se poderia chamar de uma enciclopédia ambulante. Pelo menos no que se refere à história da sua terra e região, o Centro Nordeste Mineiro, dos quais fala com um entusiasmo contagiante.
Em meio à “bagunça” organizada do seu pequeno cartório, que fica na Rua Padre Sampaio, no Centro da cidade, num prédio anexo à casa onde vive com a esposa, a bibliotecária Elizabeth Aparecida Pereira Barbosa, os olhos do escrivão até brilham quando ele diz: “O primeiro diamante do Brasil foi descoberto aqui em Paulistas, no Rio Suaçuí, em 1612, pelo bandeirante paulista Marcos de Azeredo Coutinho”. Mata a cobra, mostra o pau e, para provar, apresenta o livro Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, do naturalista francês August De Saint Hilaire, onde há referências à dita pedra preciosa.
Mas não fica só aí, pois o francês, que passou pelo Vale do Rio Doce em 1817, indo em direção ao Jequitinhonha e à Bahia, quando da sua viagem pelo Brasil, menciona ainda, na página 188, a “Ponte dos Paulistas”, cruzada por ele, e que teria sido erguida sobre o Rio Vermelho, nas terras da atual Paulistas , pela Bandeira de Fernão Dias Paes Leme nos anos de 1670. Construída com madeiras nobres, então abundantes na região, Saint Hilaire refere-se a ela como a melhor que, desde sua saída de Mariana, tinha visto na Província de Minas Gerais. “Esta ponte serviu à população até o início do século 20, quando foi levada por uma enchente. Anos depois, o que sobrou da madeira foi vendida para um político”, conta Tim.
Num outro livro, A história de Peçanha, do historiador Oswaldo Pimenta, de 1995, ele sustenta ainda que, antes das bandeiras de Marcos de Azeredo Coutinho e de Fernão Dias, na sua louca procura pelas esmeraldas, já haviam passado pela Bacia do Suaçuí Grande, em direção ao Jequitinhonha e à Bahia, as bandeiras do espanhol Francisco Bruzza Espinosa, em 1536, que veio da Bahia, com portugueses, mamelucos e índios, e a de Sebastião Fernandes Tourinho, em 1577. “É por isto que eu digo e repito: a história de Minas passa aqui por Paulistas, só que ninguém sabe”, garante Tim, recitando um refrão criado por ele desde quando, por conta e risco, começou a estudar história no período em que .cursava o seminário, inspirado em descobrir a origem do nome de sua cidade.
À luz dos papéis, morte e escravidão
Bandeiras à parte, “sobre as quais poderíamos ficar horas conversando”, Raimundo Zeferino de Carvalho, de novo com os olhos brilhando, se levanta, vai a uma das prateleiras do cartório, e volta com o O livro de atas do Conselho Distrital, de 1854. Meio empoeirado, mas em bom estado de conservação, “dentro das possibilidades”, nele há algumas curiosidades. Entre elas uma monção, do então presidente do Conselho de Paulistas, Bernardino Pereira Afonso, proibindo que os negros dançassem batuque.
Num outro volume, O livro número 2 de notas, de 1877, entre outros documentos, pode-se ver a escritura de venda de uma escrava, pertencente a um fazendeiro local, um certo José Nunes de Resende, a um comprador, também dono de terras, chamado Celestino Monteiro de Carvalho. A “peça”, de nome Simplícia, registrada com o número 222, não passava de uma adolescente de 13 anos, que havia sido separada da sua família e trazida por um “mercador de negros” de São José do Calçado, no Espírito Santo.
Em mais um livro, este de 1923, está o atestado de óbito do padre Joaquim Maria Vieira. Este veio a ser um português que, sem conhecer direito as Minas Gerais, nem suas sutilezas, se meteu a fazer política em Paulistas. Além de falar em pleno altar “de algumas coisas que não devia sobre a vida das pessoas”. Resultado: após uma das suas missas, num domingo pela manhã, Antônio Batista de Miranda, no caso um dos “ofendidos” pelo sacerdote, o esperou com uma carabina e o matou. “Por estas e por outras, até hoje, nossa cidade ainda tem o apelido de “a terra do mata padre”, brinca o historiador.
Caminhando para os 60 anos, que serão comemorados ano que vem, Raimundo Zeferino de Carvalho, nos últimos tempos, tem se preocupado com duas coisas. A primeira é com o volume das águas do Rio Suaçuí Grande, “que caiu pela metade, devido aos desmatamentos”. E a outra é porque a sua cidade, cujo nome foi dado em homenagem aos bandeirantes paulistas que a fundaram – enquanto procuravam por ouro e diamantes – , ainda não foi inserida, “injustamente”, no Roteiro da Estrada Real, ao contrário das vizinhas Sabinópolis e Guanhães. “Pode uma coisa destas, com tanta história que temos?”, questiona.
De novo Tim se levanta, seus olhos voltam a brilhar, e quando ia começar a contar outra história, chega Elizabeth, sua mulher, e diz que o lanche está na mesa. Em Paulistas, é bom que se diga, se produz um dos melhores queijos do tipo minas.
(Fonte: Carlos Herculano Lopes – Estado de Minas em 21/07/2011)
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