A casa da vovó
Gosto de escrever as historinhas de minha filha para não esquecê-las. A gente acha muita graça na hora, conta para os parentes, mas depois vêm outras gracinhas e acabamos nos esquecendo das mais antigas. Foi o que aconteceu com essa que foi resgatada outro dia pela minha cunhada.
Até hoje, ir para a casa da vovó, em Santa Rita do Sapucaí, é uma festa. Lá, ela tem primos quase da mesma idade que a sua, não tem as obrigações escolares e como sempre diz:
_ Mamãe, aqui em Santa Rita o dia é compriiiiido!
Quer coisa melhor que o dia inteiro para brincar? Ainda mais dia tão grande!
Foi numa dessas nossas idas para minha terra, quando minha filha era bem pequena, que a história aconteceu. Durante a semana anterior inteira, eu ouvia a pergunta:
_Mamãe é hoje que vamos para a casa da vovó Amélia?
Pensei até em gravar a resposta e apenas apertar o play:
_Não, minha filha, vamos na sexta-feira.
_ Quantos dias estão faltando?
_ Cinco.
_Quatro.
_Três.
_Dois.
_Um dia, minha filha. Amanhã vamos para a casa da vovó.
Sexta-feira, bem cedinho: Malas no carro, água, livrinhos de história para passar o tempo, travesseiros, biscoitos para matar a fome infinita e todas as tralhas comuns a quem viaja com filho pequeno.
A um quarteirão de casa, vem a primeira pergunta:
_Papai, a casa da vovó já está perto?
O pai acha graça e responde:
_ Filha, acabamos de sair de casa. Vai demorar muiiiito ainda.
Não tínhamos nem chegado à Avenida Amazonas e:
_Papai, a casinha da vovó já está chegando?
_Não, nem saímos de Belo Horizonte ainda. Até na casa da vovó são umas cinco horas.
E ela que não sabia que hora demorava tanto, depois de alguns minutinhos, foi perguntando:
_Papai, e agora? Já está perto?
-Não.
Mais duas voltas no pneu:
-Papai, vai demorar muito ainda para chegar na casa da vovó?
E o pai nem respondeu. Tentando manter a harmonia, ajeitei um travesseiro no meu colo e argumentei:
_Filha, tira um cochilo no colinho da mamãe que o tempo passa depressa.
_Mas não está chegando?
_Não, pode dormir que, quando estiver quase chegando, eu te acordo.
Assim ela deu trégua ao pai por mais ou menos uma hora. Nem bem abriu os olhos e já veio a pergunta:
_E agora? Está perto?
_Vamos ler uns livrinhos, filha? Qual você quer? Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Aladim?
E a resposta veio com certo desdém:
_Qualquer um. Eu quero mesmo é chegar na casinha da vovó.
O pai já mais que irritado:
_Chega, filha! Chega de perguntar se a casa da vovó já está perto.
Com o indicador sobre a boca, fiz sinal para ela ficar calada e não perguntar mais nada. E então para serenar os ânimos, eu ataquei de Cinderela, emendei com o Chapeuzinho e sem dar intervalo fui logo lendo o Aladim. Para tornar ainda mais longas as histórias mostrava como as ilustrações eram lindas, perguntava qual das princesas ela achava mais bonita e usei de muitas outras artimanhas para evitar a pergunta fatídica.
_Agora vamos tomar um suquinho e comer uns biscoitos?
Era mais uma tentativa de ocupá-la e distraí-la para evitar confrontos desagradáveis. Quem sabe de boca cheia...
Era um gole de suco, uma mordida no biscoito e um levar de cabeça para trás com os olhos interrogadores.
Agora eu já fazia dois sinais com a cara fechada: NÂO e CALADA.
_Olha, filhinha, quantas vaquinhas brancas!
_Agora é um cavalinho!
E logo eu já percebia seu desinteresse pela novidade.
_ Vamos ver quem acha um caminhão vermelho primeiro?
Assim conseguimos chegar a Careaçu. Lá, ela não resistiu mais a tanta tortura. Respirou fundo e arriscou:
_PAPAI, A NOSSA CASINHA JÁ FICOU BEEEEM LONGE?
Como não rir de estratégia tão criativa? Até o pai achou graça...
Ah... que belezinha!!!
ResponderExcluirSe a gente não registrar as gracinhas dos filhos corre o risco de esquecê-las. Quando alguma me vem na memória, vou logo registrar. Beijos.
ResponderExcluirE deve MESMO continuar registrando pra gente também se deliciar com a leitura. Bjs
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